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terça-feira, 16 de setembro de 2014

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Dossiê SIC: Smile, a Obra-Prima perdida do Rock



Muitos pensam nos Beach Boys apenas como uma banda divertidinha de surf music de musiquinhas pop chiclete tipo Surfin' USA e Barbara Ann. Mas a verdade é que, se você for um amante ferrenho de pop e rock, daqueles de ficar pesquisando e estudando sobre música, já deve ter sacado que os Beach Boys foram uma das bandas mais ambiciosas da história do pop. E das mais ousadas e experimentais também: eles foram responsáveis por discos que só podem ser descritos como Arte, com A maiúsculo: Pet Sounds, de 66, é para muitos um dos melhores discos de todos os tempos. E aí temos SMiLE, uma espécie de "lenda" do rock: a obra prima que não foi, o disco tão complexo que acabou inacabado; aquele que seria o disco que iria definir uma geração e que, como foi o caso de muita coisa nos anos 60, se perdeu em paranóia, loucura, genialidade exacerbada, idiossincrasia e muita lisergia.


No centro dessa moldura temos Brian Wilson, um prodígio do mundo da música que era vítima de sua própria genialidade. Colapsos nervosos, viagens de ácido e reclusão social são alguns dos termos usados para descrever o comportamento de Wilson na época da gravação de SMiLE. A odisséia que seria a criação do disco - um processo que durou infinitas sessões de Fevereiro de 1966 a Maio de 1967 - começou com a gravação de "Good Vibrations", que por si só demandou oito meses para ser finalizada. Era a "sinfonia de bolso" que Wilson considerava sua maior obra-prima pessoal, e abriu caminho para ainda mais ambição por parte do moço.

Wilson era a força criativa dos Beach Boys, o produtor recluso que trabalhava extensivamente em novas composições para o grupo enquanto seus primos e irmãos viajavam em turnê. À época de SMiLE, Wilson e Mike Love formavam a dupla compositora da banda: um cuidava da parte musical e o outro tinha a função liricista. Mas a crescente predileção de Wilson por um lado mais experimental, psicodélico e artístico do pop afastou os dois, abrindo espaço para que Brian recrutasse Van Dyke Parks para participar da concepção de SMiLE. Os dois então trabalharam no conceito de criar uma enorme tela de pintura que contasse a história de expansão dos Estados Unidos: de Plymouth Rock, onde desembarcaram os primeiros colonizadores do país, até as areias quentes da California, chegando até ao Hawaii. As gravações de SMiLE foram responsáveis por algumas das mais desafiadoras e belas canções pop da história: além de Good Vibrations, temos a temática western e as escalas cromáticas flutuantes de "Heroes & Villains" e "Cabin Essence", a suíte neoclassica de "Mrs. O'Leary's Cow", ou a emotiva e cativante "Surf's Up", com a bela letra de Van Dyke Parks dando suporte aos falsetos harmônicos e a delicada sequência de piano de Wilson.



Mas durante essas gravações, problemas começaram a surgir: o resto da banda não se sentia conectada com o direcionamento que Wilson tomava. Mike Love chegou a dizer publicamente que odiava as letras pois não conseguia entendê-las. Alguns dos integrantes também consideravam as mudanças de tempo e os diversos modulos alternados por Wilson no andamento das canções como muito psicodélico e experimental, algo que não cairia bem entre a base de fãs da banda. O comportamento errático e oscilante de Brian também não ajudou em nada as sessões, que costumavam acabar em muito estresse e paranóia, com o idiossincrático compositor repetindo dezenas e dezenas de takes das músicas sem nunca encontrar satisfação. Wilson chegava ao extremo de acreditar que suas fitas estavam sendo roubadas, e que muitas dos lançamentos que ouvia nas rádios da época continham pedaços de suas criações.

Outro fator que pode ter afetado o engavetamento do disco fora a pressão da Capitol Records de que o disco atingisse uma boa vendagem. A ambição que Brian Wilson demonstrou aos executivos da gravadora certamente não ajudou muito, já que o mesmo acreditava estar criando aquele que seria o grande álbum de uma época. As baixas vendas do single Heroes & Villains, lançado como um aperitivo de SMiLE em julho de 67, afetou a auto-estima de Wilson e fez a gravadora acreditar que o approach fragmentado e complexo das novas canções dos Beach Boys fosse recebida com desconfiança pelo público. Foi também nesta mesma época em que o perturbado songwriter foi afetado por uma tremenda crise de depressão e paranóia, em grande parte fruto do abuso de LSD durante as gravações, o que o levou a destruir algumas das fitas gravadas e se distanciar do restante da banda.



Alguns meses depois, o disco sairia numa versão pobremente masterizada e repaginada com o nome de Smiley Smile. A intenção original de Brian Wilson só veria a luz do dia em 2004, com o lançamento de Brian Wilson Presents Smile: uma releitura feita da memória do disco pelo próprio músico, com a ajuda de Van Dyke Parks e sua banda de turnê. Amplamente aplaudido pela crítica, seu sucesso na década de 2000 só corroborou a noção de que SMiLE era uma obra muito a frente do seu tempo.

Recentemente, em 2011, um luxuoso box set com o nome The SMiLE Sessions foi lançado com a representação mais próxima da intenção original de sequenciamento e mixagem do disco, com curadoria assinada por todos integrantes do grupo em 67. É impossível não imaginar se, caso tivesse sido realmente lançado naquela época, SMiLE teria deixado uma marca na história do pop tão profunda e marcante como Sgt. Pepper's dos Beatles. Alguém pode até se arriscar a imaginar uma história alternativa do pop, com os Beach Boys sendo os responsáveis pelo disco mais influente e aplaudido da história da música e afetando o curso de produção artística dali em diante. Também é possível que o disco tivesse recebido uma recepção mista, sendo considerado muito bizarro pelo mainstream, muito quadrado pelos hippie e muito cerebral pra se ouvir na pista de dança. Quem sabe? Uma coisa é inquestionável: ouvir a releitura de "Sessions" por inteiro hoje, quase 50 anos depois, ainda deixa uma marca indelével. É evidente o quanto a genialidade de Brian Wilson estava a frente do seu tempo, e que todos nós ainda temos que correr um pouco atrás em termos de conhecimento musical pra entender completamente sua obra.

SMiLE nunca foi realmente concluído, mas o que temos daquelas infames sessões são algumas das mais brilhantes, belas e impressionantes peças de música de todos os tempos.





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